o filme

Sans toit ni loi é um filme francês de 1985 realizado por Agnés Varda, uma das cineastas pioneiras da Nouvelle Vague Francesa, importante movimento cinematográfico que marcou o cinema francês nos anos 60 revolucionando as convenções cinematográficas. Nesta corrente, o/a cineasta assume-se primeiramente como um crítico adotando uma nova estética, reacionária às superproduções de Hollywood na época.

Neste filme, acompanhamos a viagem da personagem principal — Mona — pelos caminhos da solidão e da fuga, mas também de procura de uma identidade própria. São as suas ações, falas e expressões que a definem mas também as pessoas que a descrevem, o contexto em que se insere e o meio que a envolve. O espectador que a tente definir só o conseguirá fazer verdadeiramente através da soma destas diversas facetas que convergem no “eu” singular que Mona representa.

Rebecca

Rebecca (1940), Alfred Hitchcock

Através de memórias e recordações das outras personagens, do seu
legado deixado em Manderley.

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One and three chairs

(1965), Joseph Kosuth

Qual destas representações é mais real?

Objeto. Imagem. Descrição. São três representações alternativas
daquilo que definimos como cadeira. Com o objetivo de questionar
e explorar as possibilidades de novos significados, Kosuth procura
também explorar os limites da representação e da forma como um
objeto é sempre alvo de interpretação e de uma interação. Deste
mesmo modo, encontramos em fora de mim diversos níveis de
representação de Mona que permitem a sua existência enquanto
mito. Seja pelos espaços, pelas descrições daqueles com quem
conviveu ou pelos objetos que relacionamos diretamente com ela.

Saberemos verdadeiramente quem é Mona?
Saberemos verdadeiramente o que é uma cadeira?

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Laura

Laura (1945), Otto Preminger

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Neste filme, recheado de clichês de época mas com a clássica
reviravolta dos filmes de thriller, a questão que permanece
durante todo o filme é: quem é o verdadeiro assassino?
A necessidade de estabelecer padrões de comportamento
característicos de assassino leva-nos a duvidar constantemente
das personagens até ao último minuto. Ninguém é quem diz ser.

Daniel Quinn

City of Glass (1985), Paul Auster

“I am new everyday. I am born when I wake up in the morning,
I grow old during the day, and I die at night.”


Neste livro deparamo-nos com uma personagem em crise identitária.
Depois de perder a sua mulher e o seu filho, perde também o seu
estatuto enquanto pai e marido, o que lhe resta? Quem sou eu?
Pergunta-se Daniel Quinn.

Ao receber chamadas de Virginia Stillman, tem a oportunidade de
adoptar outra identidade: a identidade de Paul Auster, um detetive.
Assim, com um novo nome, um novo propósito, tem uma nova
identidade.

É nesta personagem que encontramos a fluidez da identidade
e o modo como esta pode ser destruída e reconstruída em diversos
momentos da nossa vida. Ela não passa apenas por um nome, nem
por características físicas que nos definam. É das relações que
estabelecemos e das nossas ações que ela se desenvolve e é, acima
de tudo uma encenação.

Small places, larger issues

Small places, larger issues (2010), Thomas Hylland Eriksen

“The social person is constituted through his or her
social relationships.”


No capítulo 4 do livro Anthropology, Culture and Society expõe
diversas perspetivas acerca da Identidade (person) e da sua construção.
Inicialmente fala-se de carácter humano, aquele que não nasce
connosco e que é adquirido através de uma aprendizagem.

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Grigori Rasputin

Linhas Tortas (2019), Rita Nunes

Neste filme a questão da identidade atinge um outro nível, o do
universo virtual, visto que a questão de identidade é associada
à sociedade contemporânea através da utilização das redes sociais.

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The past, present and future
of identity theory

The past, present and future of identity theory (2000),
Sheldon Stryker and Peter J. Burke

“Society shapes self shapes social behavior.”

É neste texto que nos são apresentadas diversas perspetivas acerca
da identidade. Seja esta percepcionada enquanto elemento individual
e separado da sociedade ou enquanto produto dela.

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Friedrich Monroe

Lisbon Story (1994), Wim Wenders

Em Lisbon Story, a cidade de Lisboa – que serve de plano de fundo
à narrativa – é o berço de um projecto que envolve as personagens
Philip Winter e Friedrich Monroe, um sonoplasta e um cineasta,
respetivamente.

Revolução copernicana

Crítica da Razão Pura (1781), Immanuel Kant

Kant, através da revolução copernicana, sugere que os objetos e sujeitos
possam ser construções, representações, do nosso conhecimento.
Sendo uma identidade tão representação quanto os objetos, também
esta se constrói através de estruturas de conhecimento e é por esta
(indefinição de identidade que se explora os limites de uma identidade
quando a pessoa não nos é apresentada.

Se o eu e o outro são representações da nossa estrutura de conhecimento,
como posso eu definir-me?

Como defino os outros?

Como é que o outro me define?

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Untitled Event

(1952)

O Untitled Event teve lugar em 1952 no Black Mountain College
com a direção de John Cage. Apesar de não existir documentação
fotográfica nem fílmica do evento, este sobrevive através das memórias
que os espectadores guardam e alguns rascunhos respetivos à preparação
da mesma. Criou-se um mito que, por sua vez, passou a ser mais
importante do que o acontecimento em si. A importância que não
foi dada ao evento na altura do seu acontecimento é agora dada ao mito
que se criou e que se suporta em expectativas, rumores e relatos.

Tal como este evento, uma identidade, que em tempos era a nossa, passa
a ser um mito porque se transforma, porque a rejeitamos ou adaptamos.
Mona é, em si, um mito porque deixou de existir, surgindo apenas nos
testemunhos, objetos e espaços, mas nunca em si mesma.

Harry Lime

The third Man (1950), Carol Reed

Perante a morte inesperada de Harry Lime, diversas investigações tomam
lugar, de entre as quais a de Holly Martins, um amigo do falecido,
que procura a identidade da terceira pessoa que carregava o caixão.

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A Câmara Clara

A Câmara Clara (1980), Roland Barthes

Onde mora a identidade numa fotografia?
Dentro das margens que decidem o que se vê e o que fica por mostrar?

Roland Barthes não nos fala diretamente dessa relação, nem procura
dar resposta às perguntas acima colocadas. Limita-se a teorizar acerca
do fenómeno que é a fotografia, com todas as suas vantagens e mistérios.

A fotografia (é necessário, por comodidade, aceitar este universal
que, de modo, apenas remete para a repetição infatigável da
contingência) tem qualquer coisa de tautológico: nela, um cachimbo
é sempre um cachimbo, infalivelmente.

A fotografia permite eternizar mas é muito seletiva. Respetivamente
às fotografias que vieram substituir, de algum modo, os retratos desde
há muito feitos para manter viva a identidade pertencente ao corpo
que se representa, acarreta a mesma responsabilidade. O alvo que
é fotografado, o referente, a que o autor se refere como spectrum,
é uma imitação dele próprio. Ou seja, ao olhar para uma fotografia,
entre aqueles quatro limites, fazemos uma interpretação do que
o próprio referente se permite mostrar, da perspectiva do fotógrafo
e, ainda, da projeção que as nossas estruturas de conhecimento fazem
sobre o que vemos. A foto retrato não é mais do que uma parcela
afastada da identidade original que, em pose, se apresenta aos
nossos olhos.

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Kay Kang

From East to West (2017), Kay Kang

Esta obra de Kay Kang representa a jornada de 46 anos
desta artista desde que emigrou para os Estados Unidos da América.

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21 scenes concerning the silence
of Art in Ruins

(2010), Eva Weinmayr

Um livro que faz de entrevistas um guião hipotético. Uma rejeição à
biografia e ao documentário pela predominância da especulação, da
incerteza e da procura. O vazio que permite teorizar e criar cenários
que possam explicar uma realidade.

Níveis de Representação

A República (376 a.C), Platão

Em A República, Platão classifica todas as expressões artísticas como
cópias (mimesis): a arte é uma imitação das coisas sensíveis – aquelas
que captamos com os sentidos –, e por isso é uma cópia. Mas as
próprias coisas sensíveis são cópias das coisas reais, e nesse sentido
a arte é a cópia da cópia e afasta-se do real.

O mesmo poderemos dizer da identidade: as identidades percepcionadas
pelo outro são uma cópia afastada da verdadeira identidade; são resultado
de uma subjetividade que advém de um contexto, quando o próprio
contexto é um nível afastado do real, pois não espelha a plenitude de
uma realidade. Deste modo, tal como a arte se encontra num terceiro
nível de representação do mundo – a cópia da cópia do real –,
também a identidade é percepcionada em diferentes níveis: o real;
o contexto que advém de uma relação direta entre o real e o meio;
e a percepção por parte do outro, que é de carácter subjetivo e advém
de juízos de valor retirados do plano anterior.

A Guerra dos Mundos

(1938), Orson Welles

Foi num domingo de 1938 que se lançou o primeiro episódio da
adaptação do romance A Guerra dos Mundos, através da rádio.
O pânico gerado pela narração de Orson Welles fez com
que o momento se tornasse inesquecível.

Este é um exemplo do poder do som e também dos media, da
credibilidade e da força que têm sobre aqueles que os seguem
quando a ilusão invade a esfera do real.

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como se a nossa identidade pertencesse ao outro

como se não existisse uma identidade, mas sim identidades

como se a identidade fosse construída pelos sítios por onde passamos,
pelos objetos que nos identificam e pelas impressões que deixamos

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a adaptação

É com base na questão da identidade e na ânsia que se vive
no século XXI – a constante procura de uma definição, uma
posição ou um propósito que nos distinga dos restantes, tal
como deve fazer a identidade – que este projeto se desenvolve.
Procurando perceber até que ponto é que a construção de uma
identidade depende do eu a quem pertence, ou se, quando isolada,
deixa de existir por falta de comparação e de construção
daqueles exteriores a nós.

Nesta adaptação, contrariamente ao que acontece no filme,
Mona não morre, pelo menos não literalmente. Volta a ser Simone.
Apercebe-se a tempo que se afastou cada vez mais de si mesma,
que somos seres sociais e produto das nossas relações. Assim,
decide regressar, percorrendo o caminho que fez, ao contrário.

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A identidade de Simone passa a ser o macguffin desta adaptação
visto que a personagem Mona é eliminada do enredo mas não deixa
de ser o seu elemento catalisador. É numa rede de enganos que
vamos construindo a ideia desta personagem fantasma e que a própria
Simone vai reconstruir a sua identidade, através dos espaços por
onde passou, dos objetos com que a podemos identificar e dos
testemunhos que nos são dados por aqueles que a conheceram. Assim,
toda a construção do seu eu dependerá do outro e de como o meio
se adapta à sua presença ou se transforma com a sua passagem mas
também das escolhas que fez.

Com esta ideia em mente, retiraram-se, do filme original, os
excertos mais relevantes para a construção desta nova ficção dando
origem aoguião I.

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Deste guião, derivamos para uma interpretação própria da narrativa:
uma autobiografia na terceira pessoa. Simone reúne as memórias da
jornada de reencontro consigo mesma, e do consequente afastamento
de Mona. Há um sentimento de estranheza perante aquele eu que para
ela é já outro. É dos fragmentos que se constrói a narrativa: das
relações que estabeleceu, espaços por onde passou e dos objectos que
a acompanharam. Este processo de reencontro dá origem aoguião II,
cuja finalidade foi ser interpretado pela atriz Carla Trindade,
resultando na radionovela.



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a radionovela

Este projeto que se desenvolve em torno da questão da identidade e do mito parte de códigos muito típicos da dramaturgia e do cinema foi depois expandindo para o campo do design de comunicação. Foi na recuperação de um formato esquecido que encontrámos espaço para a dimensão lírica e literária que caracteriza o projeto fora de mim. No desenvolvimento de uma radionovela que se subdivide em 6 episódios, damos prioridade à crueza da voz, ao diálogo que deixa espaço para a interpretação e imaginação. No sentido deste monólogo ficar também disponível para leitura própria, desenvolveram-se folhetins respetivos a cada episódio. O suporte escolhido para que os objetos da ficção se tornassem acessíveis foi o presente website, não só pela possibilidade de personalização estrutural e visual mas também pela sua capacidade futura enquanto arquivo de todo o projeto.

os objetos de comunicação

fora de mim chega ao público através da sua conta de Instagram procura despertar curiosidade no ouvinte e fornecer-lhe que ferramentas que o permitam relacionar-se mais intimamente com a ficção criada, compreendendo de onde deriva, as suas motivações e outras curiosidades sobre o meio e o processo de conceptualização. Neste perfil de instagram temos, por isso, dois tipos de conteúdos distintos: elementos de divulgação (apresentação da ficção; calendarização de lançamentos de episódios; cartaz animado; mini-teasers publicados antes de cada lançamento e publicações de anúnicio de lançamento.) e elementos de contextualização – os goodies – que procuram reforçar o processo de criação da radionovela e possibilitar mais profundas reflexões sobre o objeto final.

e se

Uma adaptação pressupõe um universo alargado de possibilidades.
O ponto de partida pode ser o mesmo mas se numa adaptação encontramos
um “como se”, encontramos também os infinitos “e se”.

É nas deambulações iniciais que recuperamos as ideias abandonadas,
as adaptações que se transformaram em meras especulações e os cenários
que ficaram por criar.

e se habitássemos uma sociedade sem espelhos?

e se pudéssemos traçar a linha entre o viver e o sobreviver?

e se o outro servisse apenas para satisfazer as nossas necessidades?